Assisti neste fim de semana duas manifestações artísticas afins. A peça do Othon Bastos, “Eu não me entrego não”, e o filme “Ainda estou aqui”. Os dois eventos provocaram em mim muitas emoções, sensações, e sem mudar a rima, provocaram também reflexões, como é capaz de produzir toda manifestação artística que se preze.
Escrever
sobre “Ainda estou aqui” é até fácil, sob o ponto de vista do meu relato,
difícil sob o ponto de vista da história. É muito natural e necessário dirigir todos os
aplausos para a interpretação maravilhosa de Fernanda Torres no papel de Eunice,
esposa do Deputado Rubens Paiva, morto sob tortura nas dependências do exército
brasileiro na época da ditadura militar, tema do filme.
Impossível
não se compadecer do drama de Eunice, com filhos ainda pequenos, sob a elegante,
altiva, comovente interpretação de Fernanda. Putz, estou aqui me controlando para
não dar uns spoilers.
Mas uma
reflexão que chegou a mim vinda da tela, é de como a irracionalidade e maldade
humanas, sob o pretexto de acabar com o “comunismo”, pôde destruir famílias,
destruir trajetórias de vidas, destruir tecidos sociais, interromper progressos
humanitários, impedir o progresso do Brasil, em várias escalas, até hoje. “Ordem
e progresso” estampado na nossa bandeira já diz tudo. Se fosse “Paz e amor”
seria tudo tão diferente...
Digo até
hoje no sentido que as pessoas que promoveram aquele estado de coisas continuam
ativas, inimputáveis, e também no sentido de que os gritos de sofrimento nas
salas de torturas continuam ecoando nas mentes dos mais velhos que viveram
aqueles tempos. Neste filme, mais uma vez, experimentamos o relato da mazela que
é a tortura do homem pelo homem, aquela coisa que deixamos embaixo do tapete,
até a hora que acontece com a gente ou com alguém próximo da gente.
A família Paiva
morava em Ipanema, de frente pro mar, privilegiados na escala social e mesmo
assim, não escaparam da maldade, da crueldade. Me inspiro nas infelizes palavras
do Paulo Maluf, “estupra, mas não mata”, para perguntar: não dava para prender,
julgar, condenar, mesmo que injustamente, mas sem torturar? Não.
As ditaduras
abrem portas para as manifestações humanas mais macabras, nos esconderijos das
cadeias, nas noites, nos porões, enquanto a vida segue o baile, com o Brasil sendo
campeão da copa de 70 com festa em tudo quanto foi canto.
Pensar
diferente custa caro, ter opinião própria, publicamente, custa caro, ser contra
uma corrente pode ser fatal, e assim vamos seguindo nossas vidas nos
equilibrando, cercados de limites, com duas escolhas pelo caminho: produzir
clips com o tamanho que for preciso, ou se submeter aos noventa segundos
impostos pelo Instagram, por exemplo.
Para não
misturar os climas numa mesma crônica escreverei sobre “Eu não me entrego não”
na próxima, mas o título da peça pode completar a crônica do filme, né? Beijos.
Quero assistir ao filme primeiro pra ler!! Mas adoro ler o que vc escreve, pois vc escreve muito bem e a leitura é fácil e prazerosa! Bjo amigo!
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